João Rocha

SÍNDROME URBANA

Há tempos o jovem Saraco sentia uma leve incomodação nos tímpanos. - Nada grave. Acreditava. Entretanto, foi crescendo, crescendo e piorou quando arranjou trabalho no centro da cidade. Foi o fim certamente. No primeiro dia uma crise. Ensurdecedoras buzinas causando um transtorno no fundo do ônibus. Salivas escuras poluídas e mãos encaixadas sobre os ouvidos. Saraco fugiu daquele transporte rumo à calçada. Ali, sons de motos, caminhões, burburinhos entre os celulares, fofocas das transeuntes e assovios dos trabalhadores nos edifícios. Saraco observou uma clínica e entrou. Sem saber que era pediátrica. Entrou sorrateiro, ali sentou. Ah, que leve silêncio naquelas frias lajotas brancas com pontiagudas flores marrons impenetráveis. 

– Moço? Marcou a consulta? – Ah? Hum, não, pior que não moça. – Então fica difícil, o doutor Lamarão não ira receber seu filho. – Filho? Não, é que estou alucinado! A moça deu um pequeno sorriso. – É sério! Disse o rapaz quase em cólera e colapso. Mesmo assim, permaneceu naquele úmido ambiente e já perto da hora do almoço o Dr. Lamarão saiu da sala e observou aquele rapaz solitário olhando pelas frechas dos comungões. – Senhor? Algum problema? – Doutor… Assim, acho que estou com algum distúrbio. – Distúrbio? – sim, algo urbano. Basta ouvir sons do trânsito, basta andar pelas ruas que sinto um devaneio, uma fantasmagoria metropolitana. 

– Meu Deus então tem também? – Também? Perguntou Saraco interrompendo sua insânia. – Sim, pensei que está síndrome fosse só minha. Doutor é uma síndrome? – sim, algo irreversível disse o meu médico. – Bah! E agora? – Agora? Terás que conviver com isso. – Mas, se tens como consegues vim trabalhar Doutor? – Chego de madrugada, no silêncio, tomo um cafezinho na esquina e adormeço por aqui. – Mas, mas, como voltas para casa? – Nos finais de semana. Meus filhos e esposa já entendem. – Passas a semana aqui? – pasmado o louco Saraco. – Como é possível? Moras aqui? – Moro! Há um compartimento oculto nos subterrâneos deste prédio. É a prova de sons! Disse o Dr. Lamarão empolgado. Arredando o armário e mostrando a escotilha. Na verdade, muitos fazem isso. Confessou Lamarão. - É uma comunidade secreta. Disse baixinho o célebre médico pediatra.

Saraco ficou assustado, sentia uma pequena claustrofobia medonha. Olhou para as escadas e teve medo da escuridão enquanto Lamarão sumiu entre os corredores. Saraco não entrou. Teve medo. No entanto, o que faria? Além de esperar que àquelas milhões de rodas, pneus, ruídos, celulares tocando, aviões planando, até um som imperceptível de semáforo em arco-íris. Saraco, jovem impetuoso da periferia, resolveu enfrentar o pânico do urbano. – Melhor do que viver confinado. Pensou...

Pela madrugada, como de costume, Dr. Lamarão comprou seu boêmio café e seu irretocável jornal. Entre as notas da primeira página a notícia de um jovem assombrado que corria feroz entre os carros nos atemporais engarrafamentos. Dizem que foi preso e internado, mas não sobreviveu. Vomitava inflamáveis palavras criptografadas. Debatia-se. Foi diagnóstica com um tipo raro de síndrome. Uma síndrome urbana?

Dr. Lamarão apenas lamentou, “era um louco”.

Foto de Kyle Thompson.