Alberto Alencar

CARTA À NOITE

Minha distinta e diáfana moça, eis que um dia um tipo questionou-me acerca de satanismo. Respondi-lhe que satanismo é o formato que engloba as unidades e extensões satânicas e, satânico é tudo aquilo que faz o homem deleitar-se em sua humanidade.

Aos dezessete anos, quando saí dos grilhões de minha origem, onde vivia uma vida recatada e introspectivamente saboreava minhas lamúrias em forma de chuva salgada e amarga, conheci a tão desejada liberdade e passei a viver uma vida desregrada e boêmia, repleta de vinhos e cachaças, donzelas e quengas, estudo e trabalho, drogas e paixões. Deste modo satânico, demasiadamente humano, trocando o deus-reprodutor pelo deus-fornicador, em apenas dois anos vivi mais que em dezessete.

Em praças ou ruas, muito logrei minhas sensações, emoções. Por costume, todos os dias saboreava a tácita sedutora em companhia dos mestres vagabundos, os poetas psicóticos que andam a sós a balbuciar seus versos pela madrugada. Entre um crepúsculo e outra aurora houve uma vida. A Madona não era aquela que rogava, era essa que comigo passava as alvoradas a conversar, a se entregar. O metal passeava em nossos ouvidos; o álcool em nosso sangue impudico.

Nesta de muitas noites eu caminha só. A brisa soprava forte, gelando meu rosto. Esquentava-me com um vinho desses baratos que se compra gelado nas biroscas de fim de rua. O frio que acompanhava meus passos descompassados deixava-me alegre, pois era tão incomum quando encontrar uma mulher honesta naquelas ruas do centro da cidade.

Parei em uma esquina, onde uma lâmpada incandescente do poste tornava-a menos perigosa. Puxei o maço de carlton do bolso, ainda havia dois cigarros e meio. Acendi-o com contentamento, pois o isqueiro funcionara sem muitas tentativas. Percebi uma sombra que se aproximava.

- Pode me emprestar parte do seu fogo? – Voltei-me a fim de conhecer quem me abordava com tanto importuno. Era uma mulher jovem, talvez os anos mais vividos que os meus. Entreguei-lhe o isqueiro contemplando-a dos pés a cabeça, tinha boa aparência. Cabelos artificialmente loiros caídos sobre os ombros, protegendo um rosto bonito e bem tratado com prováveis boas horas de sono. Uns olhos pequenos, mas sedutores. Não pude deixar de observar suas pernas torneadas sobre um salto de quinze centímetros, uma cintura dessas que se é agradável abraçar e, principalmente, os magníficos seios que lhe presenteavam esculturalmente. Doravante, a maquiagem que lhe pesava sobre a face e suas roupas ligeiramente vulgares não escondiam seu ofício, aquele que dizem ser o mais antigo.

Ela agradeceu, devolveu o que usara e indagou-me:

- Tá afim de um programa, Honey?

- Não. – Respondi apaticamente.

- Por quê? – Insistiu inconvenientemente, desenhando um sorriso falso.

Realmente não a queria amar naquela noite. Tentei dar-lhe uma resposta que não a magoasse e como artefato usei uma verdade.

- Estou sem dinheiro. O que tenho é apenas este cigarro e o resto desta bebida.

- Pode ser que sim. Então você me paga uma cerveja?

- Se tivesse algum, pagaria. Fica para a próxima. – Respondi sorridente, já batendo em retirada.

- Então toma duas cervejas comigo? Eu pago! – Em tom de voz alto ela suplicou-me.

Surpreso, retornei. Ainda era cedo e não passada das oito. Aceitei o convite com satisfação balançando a cabeça. Descemos a rua juntos a meia distância e paramos no primeiro boteco.

- Traz a mais gelada! – Disse a garçonete. Era uma moça morena de olhos esbugalhados, que além da beleza se fazer ausente, aparentemente não era feliz em estar ali. Por um momento fiquei intrigado, fitando o piercing dourado que fugia do umbigo fundo e deitava sobre o abdômen inflado, o que me fez perder algumas palavras não importantes de minha recém-conhecida.

- Prazer. – Falei em tom sério, tentando me ajustar a situação.

- Satisfação, o prazer fica para depois. – Respondeu-me com escárnio.

Bebemos apenas as duas cervejas que se propusera a pagar e falamos de assuntos supérfluos. Tudo não passou de meia hora. A esta altura já começava a mudar minha concepção sobre amá-la, embora em nada demonstrasse e a tratasse como uma velha amiga que de vez em quando dorme com um velho amigo.

Para minha tristeza, a prostituta levantou-se, bebeu o último gole e despediu-se friamente. Decidi também tomar meu rumo, o que me consolava é que a desgraçada iria para a dura labuta, enquanto por mim aguardava a diversão. Pus-me a caminhar em direção de outro bar, bebericando o resto de meu vinho doce e barato.

Atravessei a rua e dobrei a avenida. Sentia-me meio que embriagado, talvez pelo rum do fim da tarde. Tirei do bolso caneta e papel, escrevi um poema ali mesmo, sentado na suja calçada, ao lado de vômito e urina de cão. A avenida estava a ermo, era tranquilizadora, aconchegante e inspiradora.

Levantei da sarjeta e guardei a poesia. Avistei do outro lado uma senhora escondida por detrás de um portão de ferro de uma antiga casa dessas que se esgueiram atrás de jambeiros. Fui então ter com ela.

- Boa noite! – Abordei-a simpaticamente.

- Boa noite. – Um cumprimento indiferente.

- Aceita? – Mostrei-lhe a garrafa quase seca.

Acredito que tenha se ofendido, pois muda permaneceu.

A senhorinha aparentava uns cinquenta anos, bem conservada pelo tempo que lhe foi gentil, estava bem vestida e cheirava a espaguete. Por um momento

a fitei, imaginando o motivo de ali estar, solitária no jardim. Também tive pensamentos de como deveria transar com seu marido, divagações sórdidas.

Puxei o outro cigarro e acendi-o com dificuldade, o isqueiro falhava. Ofereci-o de maneira educada e ela recusou. Tratou-me de um jeito que lembraria minha mãe, caso tivesse uma.

Por alguns segundos permaneci mudo e estático.

- Eu te amo! – Bradei sarcástica e doentiamente.

Tirei do bolso o poema que escrevera na sarjeta e o recitei arduamente:

Largo-te, deixo-te.

Retorno a ti.

Famigerado, esboço

Um sorriso.

Não te beijo,

Pego-te cinicamente.

Por detrás

Seguro tuas ancas.

Tu hesitas.

Queres fugir?

Puxo teu cabelo

E estapeio

Tua boceta.

Não tens aonde ir!

Cuspo no falo

Nu.

Penetrando

Em teu cu.

Foto autor desconhecido.