Viktor Schuldtt

ESTÃO ÚMIDAS

Estão úmidas, inchadas de infiltração as paredes, escuras, doentes, sufocam, e caso se arruma o risco de percebê-las diretamente, é possível extrair sua casca com leve toque - o espumar das coisas. Um cineasta russo afeito às memórias desbrava com lúcida comoção este local, está como entre estruturas sólidas, sabe-as, mas busca apreender a base onde as coisas podem, como dentes-de-leão, ao menor acidente irromper suavemente no vazio, decorando com véus rasgados a descoberta de inéditas secreções. Nas artérias do concreto, no entrelaçar quântico das imagens se constitui uma metáfora ruidosa advinda dos aparelhos que lhe empresta o escritor, um colapso curto onde fios são rompidos antes de se reerguer em tendões de cálcio a história. À acuidade de ver, ao tato amplificado, grudam-se hologramas, cartazes nas paredes (ópticas), de menstruação sendo parto, amadurecimento e hemorragia. Nas lentes, seus instrumentos amados, um belo segredo se revela, o do tempo tão cicatrizado quanto um pé que por anos sentiu a lavoura paciente plantar bolhas, sulcos que dão em calos e afinal potencializam sua nudez. 
Toda infância é trabalho, forja. De fugacidades acontece uma terra sempre fértil: a massa se desloca dando sentido político ao lirismo.