EU TE EMPURRARIA PARA A AVENIDA
Eu te empurraria para a avenida. Eu te empurraria para a avenida e correria. Ouviria teu corpo se quebrando na frente do ônibus e correria. Faria isso mil vezes. Trezenas vezes te empurraria para o meio da avenida e te mataria atropelado por um ônibus. Correria para não ouvir o choro da tua família em meio às sirenes de polícia. Correria e gargalharia, dançaria a dança da chuva do teu sangue, a dança da tua artéria perfurada pelas ferragens ao som das tuas fraturas expostas, a noite gelando o amarelo dos teus ossos, aquele teu suspiro final. Correria, mudaria a cor do cabeço, pintaria as unhas de cinza, meu batom esquecendo mil vezes, trezentas vezes a tatuagem dos teus lábios nos meus. Eu te empurraria para o meio dos carros e correria muito, pra longe. Não saberia mais de ti. Correria e tropeçaria nas pernas de tanto rir do teu corpo torto que teria ficado para trás. Gargalharia, feriria os ouvidos dos morcegos voando ao redor dos pés de jambo. Machucaria o coração da tua mãe, cortaria os sentimentos do teu pai em dois. Que se desfizessem no inferno o sonho dos teus irmãos, de teus entes queridos. Eu correria, mudaria de nome, estaria em outra cidade, fumaria outros cigarros, ouviria outras músicas, esqueceria aos poucos de ti e do teu assassinato. Eu te empurraria um milhão de vezes. Faria chacota da tua memória enquanto ainda lembrasse. Cuspiria na tua tumba um dia, se voltasse, sem perceber que era nos teus restos onde repousaria meu escarro. Tomaria uma cerveja gelada, escreveria um poema, assistiria televisão, olharia meus e-mails de propaganda, arranjaria um emprego, esqueceria de ti para sempre. Eu te empurraria mil vezes para a avenida.