Frank Vilar

TUDO

Tua boca de Antonin Artaud
Teus cabelos de mandrágora
Teu pescoço de penitenciária
Teus olhos de míssil balístico
Tua pele de tela em branco de pintor decadente
Teus dentes de exército vermelho
Teus seios de pérola cinzenta salgada de fundo do mar
Tua barriga de febre quartã
Tua cintura de ave cruzando o céu pra ir embora
Tua boceta de jardim botânico
Tuas coxas de implosão dinamitação de poder de fogo
Teus joelhos de 5 segundos
Tuas canelas de dórico jônico coríntio de civilizações caídas
Teus pés de fantasma assassinado
Teus dedos de lama das geadas das plantações perdidas
Teus calcanhares grilos
Tua bunda imposta entre as mãos de um pedinte desonesto
Tua coluna vertebral
Tuas omoplatas de mármore gasto de basílica de Aparecida
Tua nuca sombria
Tuas orelhas de seda
Tu
Tu
Tua alma de chicote sangue
Teu sangue cortando os rios
Teu sangue levando areia
Teu coração perdido em cima do teu fígado
Teu fígado tua bílis
Tua melancolia que me fustiga
Teus anjos da guarda
Teus xingamentos
Tuas injustiças
Tu
Tu
Tu somente
Teu cinismo que guia os condenados à forca
Teu discurso
Tuas convicções inabaláveis
Tuas cores difusas entre as sombras das catedrais capitalistas
Tuas experiências de vida
Teus sonhos
Tuas aspirações
Teu diafragma teus gritos revolvendo folhas secas nas UTIs
Tu
Tu
Tu somente
Tu indo embora
Tu indiferente
Tu vendo tudo
Tudo.