Emil Cioran

A PAIXÃO DO ABSURDO

Nada saberia justificar o fato de viver. Podemos de fato, tendo partido ao limite de nós mesmo, invocar argumentos, causas, efeitos ou considerações morais? Certamente não: resta-nos para viver, portanto, apenas razões despidas de fundamento. No apogeu do desespero, somente a paixão do absurdo impede ainda a explosão do caos demoníaco. Quando todos os ideais correntes, sejam eles de ordem moral, estética, religiosa, social ou outra, não chegam a imprimir à vida uma direção e finalidade, como preservá-la ainda do nada? Nisso, nós apenas podemos chegar agarrando-se ao absurdo e à inutilidade absoluta, a este nada profundamente insípido, mas cuja ficção é a mesma de criar ilusão da vida.
Eu rio porque as montanhas não sabem rir; nem os vermes da terra cantar. A paixão do absurdo nasce somente no indivíduo em que tudo foi purgado, a este que é mais suscetível de submeter-se a temíveis transfigurações futuras. A quem tudo perdeu só resta a paixão. Que charmes poderia, à partir de então, seduzi-lo? Certas pessoas não deixarão de responder: o sacrifício em nome da humanidade ou do bem público, o culto do belo, etc. Eu amo apenas estes homens que chegaram a provar, ainda que provisoriamente, tudo isto. Eles são os únicos a ter vivido de maneira absoluta, os únicos habilitados a falar da vida. Se podemos reencontrar amor e serenidade, é através do heroísmo, não da inconsciência. Toda a existência que não contém uma grande loucura permanece despida de valor. Em que ponto tal existência se distinguiria da de uma pedra, de um pedaço de madeira ou de uma erva-daninha? Eu afirmo-o com toda a honestidade, devemos ser portadores de uma grande loucura para que queiramos nos tornar em pedra, pedaço de madeira ou erva-daninha.