Edivaldo Ferreira dos Santos

TRIVIALIDADE

Angelina lia seus livros pra mim
éramos jovens e
sentávamos na grama verde do seu quintal
e eu admirava a leitura em voz alta
que ela fazia de seus diversos livros de poesia
ela adorava me explicar
o significado de algumas palavras
às vezes não entendia a explicação dela
mas tinha vergonha de dizer eu não entendi
eu gostava de ver seus gestos delicados, sua boca
seus olhos acompanhando aquelas linhas
ininteligíveis pra um moleque burro e sem estudos como eu.
Seus olhos tão vivos quanto o sol refletido na grama.
Ficávamos nisso toda a tarde
e quando o sol ia embora nós continuávamos ali
sentados no quintal
esperando as estrelas aparecerem.
Aqui na cidade grande dia ou noite o céu é cinza-poluído
e ninguém mais olha pro céu nem pra falar com Deus
mas lá na nossa cidade natal o ar era puro
e o céu uma coisa linda de se ver
Angelina me dizia que adorava olhar as estrelas
que elas são como palavras numa página de livro
só que melhor
pois não precisamos ir pra escola para aprender a admirá-las.
Hoje pensei em ir visitá-la no cemitério
mas eu nunca iria encontrá-la
ela foi enterrada como indigente
não sei quantos dias atrás
mendigava no centro da cidade
na noite em que foi estuprada e morta
abandonaram seu corpo
próximo à fonte da praça
os desgraçados me deram boas porradas
fiquei inconsciente
acharam que eu estava morto e
fizeram o serviço sujo nela
no seu túmulo não há flores
nem uma respeitável lápide com palavras bonitas
não existe uma lápide com seu nome
Angelina foi enterrada como indigente.
Deveríamos ter ficado na nossa cidade
levando uma vida humilde
mas vida de gente!
Angelina me ensinou a ler e escrever
o filho-da-puta guarda da biblioteca não me deixa entrar no prédio
diz que eu não posso ficar chorando e berrando lá dentro
ele disse pra eu parar de incomodar as pessoas.