Alline Frazão

O NOMEADO

     Um cachorro late lá fora. Ele me avisa: não nomeie seus monstros. Agora eles são tão familiares quanto qualquer bicho de estimação.
     Tão monstro esse animal que invade na surdinha e anda sem balançar o rabo. Ele não está feliz com o nome que tem. Vai sim, chegar sem que se perceba, sem cheiro e sem gosto algum. Pra quem espera algo conciliável, pare! Parece um cachorro, um gato, um porco da Índia ou um coelho gentil. Um minuto e, somente isso bastará, todas as presas estarão à vista. O monstro sou eu, é você e somos todos nós, em parte, com um nome que, aos poucos, nos desdenha.
     Vem, me diga qual o nome desse imbecil? Trás medo, assusta criancinhas ou tira o sono? Em que circunstância nos foi dada essa alíquota fantasmagórica? O cachorro latia. As pessoas dançavam por causa de protestos pequenos espalhados no tecido operado. Eu disse uma só vez e já foi o bastante, e o nome serviu. Refluxo.
     Monstro carnal, estomacal, que queima meu esôfago. Vem, não vem, monstro com nome que desdenha, arrancar aquele filete de sono que eu entreguei aos anjos. Desse fluxo interminável de vai-e-vém que se leve apenas a ração necessária ao fígado do filhote. Não quero voltas! Já o dei.
     Não tem carinho, cafuné atrás da orelha. Devolva a minha santa paz, pois não quero recolher seus rejeitos espalhados pelo quintal. Refluxo, volte aqui! Seja um filhinho educado que eu levo pra passear. Se continuar respondendo aos remédios, aos caprichos da mamãe, prometo um banho com sabonete anti-pulgas. Silêncio, não late, porque essa enxaqueca que você trouxe, espere, espere... Eu comprei ossinho. Você quer?
     Ah, monstro familiar por que lhe dei um nome, agora que não precisava de ninguém pra me perturbar?